Tribus Festival Brasil 2017
Granja Regina – Carangola/MG
22 de Julho de 2017
Por Leandro Vianna – Fotos: Leandro Vianna
Decididamente,
umas das coisas que mais gosto de fazer é comparecer a Festivais e
eventos do nosso underground. São em ocasiões assim que você acaba
reencontrando aqueles amigos de outras cidades, em quem você só consegue
esbarrar em shows, conhece pessoalmente aquele povo com que você até
então só conversava virtualmente, faz novas amizades e mantém um contato
direto com as bandas. E claro, tem a música, o mais importante de tudo.
Desses eventos, um dos que mais gosto é o Tribus Festival Brasil, que
ocorre em Carangola/MG, e tem o diferencial de unir não só música, como
cultura em geral, além de possuir a proposta de sustentabilidade. Neste
ano, em sua 5º Edição, tinha entre as principais bandas 3 dos principais
nomes do nosso cenário na atualidade: os brasilienses do Arandu
Arakuaa, tocando pela primeira vez em Minas Gerais, e os paulistas do
Torture Squad e do Test.
Mas como eu sempre digo, para apoiar
nosso underground, o fã de Metal tem que ter, acima de tudo, disposição
para encarar a estrada e as intempéries da vida. Então, lá fui eu na
manhã do dia 22, ao lado de minha esposa, encarar uma baldeação e quase 4
horas de viagem para chegar em Carangola, hospedar-me no hotel, almoçar
e recarregar minimamente as baterias para a maratona de shows que se
seguiria durante as horas seguintes. Como o local escolhido para o
evento esse ano era um pouco mais afastado do Centro, a organização, com
o apoio da Prefeitura, disponibilizou um micro-ônibus no horário das
13h para levar aqueles que quisessem chegar mais cedo ao local e claro,
não perdi a oportunidade. E, devo dizer, não me arrependi nem um pouco.
Assim
que cheguei, já me surpreendi com o espaço escolhido, muito agradável e
em meio à natureza. Além disso, a estrutura montada estava muito legal.
E como tem coisas que só ocorrem no underground, tive a oportunidade de
acompanhar toda a passagem de som não só do Arandu Arakuaa como também
do Torture Squad, sendo que, no caso dos últimos, pude ainda trocar uma
ideia antes dos mesmos voltarem ao Hotel. O problema todo é que isso só
ocorreu devido a um imprevisto que acabou afetando de certa forma o
andamento normal de todo o Festival. Entre seus apoiadores, o evento
contava com a Prefeitura de Carangola, que cedeu o palco utilizado.
Contudo, durante o processo de montagem, constatou-se que o mesmo não
estava completo, desencadeando assim um efeito dominó: se a montagem do
palco atrasa, a montagem do equipamento de som também e,
consequentemente, a passagem de som das bandas. E se tudo isso atrasa,
automaticamente as apresentações têm o mesmo destino. E isso
infelizmente ocorreu, acarretando por exemplo, na alteração da ordem dos
shows, com o Dsnort, não tocando antes do Torture Squad, como
programado. Mas infelizmente esses são imprevistos aos quais todo
Festival está sujeito.
Com atraso, o Umanoid, banda da cidade de
Carangola, subiu ao palco apresentando sua mistura de Metal e Hip Hop,
muito bem-feita por sinal. Apresentando músicas próprias, mostraram um
som bem coeso e, com certeza, agradaram aqueles que apreciam esse tipo
de junção de estilos. Em seguida foi a vez do White Death, banda de
Hard/Heavy do Espirito Santo, que fez um show que agradou bastante os
que estavam presentes até aquele momento. Capitaneado pela boa vocalista
Priscylla Moreno, mesclaram temas próprios com alguns clássicos do
estilo, caindo no gosto de fãs de bandas como Iron Maiden, Saxon e
afins. Vale lembrar que já possuem um EP lançado, Reaper Of Corruption,
ainda com o vocalista anterior e estão agora em processo de pré-produção
para gravar novo material já com Priscylla nos vocais. Em seguida foi a
vez do Punk Rock tomar de assalto o Tribus, com os também capixabas do
Ravengar. Serei sincero, não é um estilo que faça a minha cabeça, mas
seria injustiça criticar o show dos caras por isso, até porque foi
nítido o quanto o público curtiu a apresentação do trio formado por
Marcelo Capilé (vocal e guitarra), Georgi (baixo) e Cadu Almeida
(bateria). No set list, músicas próprias e covers de nomes como Misfits e
Ramones, dentre outros. Em seguida, foi a vez do Hardcore do quarteto
mineiro Os Capiau. E meu amigo, que porrada! A coisa estava tão violenta
que ainda no começo do show, uma das cordas de uma das guitarras foi
para o espaço, sendo necessário o empréstimo de um outro instrumento
para que a apresentação não parasse por ali e atrasasse ainda mais todo o
cronograma. Mas, guitarra emprestada, os caras simplesmente voltaram a
quebrar tudo. Se você curte Hardcore, vale a pena correr atrás dos CD’s
dos caras. Com o público ainda se recuperando do arregaço que foi o show
dos mineiros, os fluminenses do Persecuter subiram ao palco
apresentando seu Thrash Metal furioso e divulgando seu primeiro álbum
completo de estúdio (possuem também um EP, de 2013) The Hatred Domains
(vale uma audição no Bandcamp dos caras), lançado no começo desse ano.
Só posso dizer que conseguiram manter a adrenalina lá no alto, algo que
naquele momento se fazia muito necessário, já que o frio começava a
incomodar os presentes. Um puta show de Thrash Metal, desses bons de se
bater cabeça.
Nesse ponto tenho uma ressalva a fazer. Em um
evento desse tipo, tem que se tomar muito cuidado ao escolher a ordem
das bandas, e aqui tivemos uma falha. Deixo claro que nada tenho contra o
Attività Power Trio, banda formada por ótimos músicos, bem técnicos, e
que pratica o bom e velho Rock, com músicas próprias que possuem
qualidades. Mas nunca, de forma alguma, poderiam ter tocado nesse
momento do evento. E, repito, não é por uma questão de qualidade, mas é
que de forma alguma conseguiriam manter o pique do público lá no alto,
depois de dois shows avassaladores de Hardcore e Thrash Metal, como
foram os do Os Capiau e do Persecuter. Por isso, mesmo fazendo uma boa
apresentação, acabaram soando “inofensivos” e “esfriando” o público. E
não sou eu quem diz isso, foi o que escutei de diversas pessoas durante o
show do trio. Certamente, se tivesse sido a segunda ou terceira banda a
se apresentar, teriam chamado muito mais a atenção.
Então
chegamos ao ponto alto do Tribus, com uma sequência de shows
simplesmente fantástica e que nem o frio que apertava cada vez mais foi
capaz de atrapalhar. Sinceramente, é difícil até definir o que foi a
apresentação do Test. Como apenas 2 caras conseguem alcançar tal nível
de extremismo e destruição sonora é algo que merece ser estudado. A
coisa estava em um nível tal que, em determinado momento da
apresentação, o bumbo simplesmente foi ao chão, e o melhor, Barata não
parou de tocar e continuou esmurrando os tons, enquanto João da Kombi
massacrava a todos com seus vocais brutais e seus riffs destruidores.
Ver o desespero do pessoal de palco para colocar o bumbo no lugar
enquanto o massacre continuava só não foi tão divertido quanto o fato de
que, dali para frente, tivemos uma pessoa sentada diante do bumbo pelo
restante do show, para que nenhum acidente voltasse a acontecer.
Simplesmente fantástico, e todo reconhecimento que os caras vêm
recebendo nos últimos tempos se mostra mais do que merecido.
A
apresentação seguinte foi de ninguém menos que o Torture Squad, que está
lançando seu novo, e com todo respeito, melhor trabalho, Far Beyond
Existence. E meus amigos, que show! May Puertas é um fenômeno da
natureza em cima do palco, simplesmente destruidora. Tem uma ótima
presença, parece ocupar todos os espaços possíveis e ainda destrói tudo
com seus vocais. Rene Simionato faz um belo trabalho nas guitarras, com
riffs viscerais e também tem boa presença, enquanto a dupla formada pelo
baixista Castor e o baterista Amílcar Christófaro mostra ao vivo e a
cores porque formam uma das melhores partes rítmicas do Metal
brasileiro. Com um repertório muito bem selecionado, mesclando velhos e
novos clássicos, fizeram um show que empolgou a todos, fazendo os
presentes esquecerem o frio e o cansaço que já se abatia sobre alguns,
pois começávamos a entrar madrugada adentro, devido ao atraso inicial.
Um show pra ficar na memória.
Eis então que chega a hora do
Arandu Arakuaa subir ao palco, divulgando seu 2º álbum de estúdio, o
ótimo Wdê Nnãkrda. Confesso que estava bem ansioso pela apresentação,
afinal, tenho noção de que não é tão simples para uma banda de Brasília
vir tocar no interior de Minas Gerais. Infelizmente, devido ao frio, ao
cansaço e o avançar da hora (já eram mais de duas da manhã quando
subiram ao palco), parte do público acabou partindo após a apresentação
do Torture Squad. Aos que foram embora, lamento, pois perderam um show
simplesmente incrível. A mistura de Heavy Metal com música brasileira
indígena, e letras que tratam de tradições e lenda dessa tão rica
cultura, gera não só o verdadeiro Folk Metal brasileiro, como também uma
sonoridade imersiva, que faz quem está diante do palco não conseguir
sequer piscar os olhos durante a apresentação. As letras em Tupi,
Xavante e Xerente ajudam demais nesse processo de imersão, além da
utilização de instrumentos percussivos típicos da cultura indígena,
assim como também da viola caipira. Sua música é de uma riqueza
instrumental cativante. Karine Aguiar, além de ótima vocalista, tem uma
presença marcante, enquanto os talentosos Zândhio Aquino e Pablo Vilela
se mostram ótimos guitarristas, além de presenças marcantes no palco. O
mesmo vale para o baixista Saulo Lucena, que se mostra bem presente, não
só com seu instrumento, como nos vocais mais agressivos (cabe dizer
aqui que todos em algum momento cantam, seja nessas partes mais
agressivas, seja nos momentos cantados em língua indígena). Realmente um
show incrível, que ainda contou com a participação do ativista indígena
da etnia Puri, Kapua Lana, que interpretou um cântico do seu povo.
Infelizmente, após essa apresentação, o corpo não mais aguentou e acabei
indo embora, afinal, já se passava das 3 da manhã e eu e minha esposa
ainda teríamos que enfrentar a jornada de volta para casa, tendo apenas
umas 5 horas para descansar. Sendo assim, realmente não sei como ficaram
as situações das demais apresentações que faltavam.
Agora, vamos
a algumas considerações que julgo importantes, nem tão agradáveis de se
falar. Vamos ao público. O que mais se escuta no interior é a
reclamação pela inexistência de eventos que tenham o Heavy Metal como
foco. E, realmente, não é fácil realizá-los, já que existem muitos
custos e pouco apoio, por isso, iniciativas como o Tribus devem, sim,
ser muito valorizadas. Não que o público presente tenha sido
decepcionante, foi razoável, mas é triste constatar que basicamente
tínhamos as mesmas pessoas com as quais cruzamos em todos os festivais
na região. Qual o problema disso? Nenhum, se eu não soubesse que a
quantidade de pessoas que curtem Metal por aqui é bem maior. Mas nessa
hora, o comodismo sempre fala mais alto e o sofá de casa sempre vence.
Veja por exemplo o caso da minha cidade, Cataguases. Centenas de pessoas
dizem curtir Metal, mas sequer uma van foi cogitada para ir ao evento,
até porque quando se organiza alguma, dificilmente se consegue fechar a
mesma. E isso quando se tem uma banda da cidade tocando no evento (o que
não foi o caso do Tribus esse ano). No final, além de mim e minha
esposa, apenas mais 3 amigos daqui estavam lá. E isso se repete em todo o
entorno. Depois, quando iniciativas como estas deixarem de acontecer,
espero que não fiquem choramingando pelos cantos reclamando da falta das
mesmas, já que quando elas ocorrem, preferem ignorar.
Agora,
mais duas cutucadas em uma pequena parcela do público, mas nesse caso,
nos que estavam presentes. Uma das bandas que se apresentou no festival
teve uma iniciativa que achei muito legal. Disponibilizou seu CD pelo
preço que a pessoa quisesse pagar. Achei louvável tal iniciativa e só
não peguei uma cópia para mim porque realmente não era minha praia
sonora e não estava com dinheiro sobrando, afinal, se tivesse que pagar,
o faria por um preço justo, pois sei das dificuldades e custos de
gravar no Brasil. O problema é que, nitidamente, o fã de música no
Brasil não sabe dar valor à obra de um artista que ele diz curtir. Não
sei mesmo se a banda se incomodou com tal fato ou não (afinal, quem tá
na chuva é para se molhar), mas me emputeceu demais ver algumas pessoas
chegando até a banca de CD’s dizendo que haviam curtido muito o show,
gostado das músicas, e dando R$ 0,10 pelo material. Isso mesmo, DEZ
CENTAVOS. E pior, ainda pedindo autógrafo do vocalista na capa do CD. É
esse o valor que vocês dão aos artistas que dizem gostar? Custava abrir
mão ao menos do valor de um latão de cerveja e pagar um preço
minimamente justo pelo material dos caras? Na minha cabeça não, mas na
de outros a ideia parece um tanto absurda.
Outro fato que me
incomodou se deu durante a apresentação do Arandu Arakuaa, quando Kapua
Lana subiu ao palco para interpretar um cântico de seu povo. Algumas
indiretas já havia sido dadas durante a apresentação, em momentos onde
os elementos indígenas eram realçados nas canções, mas quando Kapua
assumiu o microfone, pude escutar algumas piadas de mau gosto com
relação ao mesmo, vindo de duas ou três pessoas que estavam atrás de
mim. Aparentemente, para eles, um descendente de indígena deve
obrigatoriamente parecer com o que veem em filmes ou no Globo Repórter.
Então, se por acaso vocês estiverem lendo aqui, vou lhes passar algumas
informações. Os Puris viveram nas regiões que hoje correspondem aos
estados de Minas Gerais, Espirito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo (na
região da Serra da Mantiqueira), até os séculos XVIII e XIX, quando
foram massacrados e miscigenados com os colonizadores luso-brasileiros.
Sendo assim, uma pessoa não possuir a mesma aparência de um indígena que
vocês viram nos livros escolares ou na TV não significa que o mesmo não
tenha ascendência indígena. E vejam só, olhando por esse lado, até
mesmo vocês, engraçadinhos, podem ter alguma ascendência indígena e
sequer saberem disso. Nunca, de forma algum, desmereçam a luta legítima
de alguém por ter seus direitos reconhecidos. NUNCA!
Feito o
desabafo, só cabe aqui todos os elogios a iniciativa do Tribus. Além da
música, ainda ocorreram a apresentação do Grupo de Capoeira Camaradagem,
exposição do artista Thiago Assis, fogueira folk com vivência xamânica,
mural com poesias, exposição com artesanato, doação de mudas para serem
plantadas pelo público e muitas outras coisas interessantes. Um
Festival que realmente abrange não só a música, como a cultura como um
todo. Um verdadeiro foco de resistência nos dias cada vez mais difíceis
que enfrentamos atualmente. Que mesmo diante de todas as dificuldades,
Jozilei Pimenta Costa e os demais que o apoiaram na organização se
mantenham firmes e fortes por muitos e muitos anos, pois a cena
underground precisa muito desse tipo de iniciativa para se manter viva. E
sendo assim, que venha o próximo Tribus Festival Brasil.