segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Funeral Tears - The Only Way Out (2018)

 


Funeral Tears - The Only Way Out (2018)
(Ksenza Records/Cold Art Industry - Nacional)

01. Be Humane
02. Look in the Mirror
03. Become the God
04. The Only Way Out 
05. Outro

Para quem desconhece, o Funeral Tears é uma One Man Band surgida em 2007 na Rússia, e capitaneada pelo músico Nikolay Seredov. A proposta, como o nome deixa bem claro, é se enveredar pelos sinuosos e tortuosos caminhos do Funeral Doom Metal. The Only Way Out é o seu 4º álbum de estúdio, e foi lançado no Brasil ano passado pela Cold Art Industry em quantidade limitada, em versões slipcase e digipack.

Fazer Funeral Doom é uma tarefa deveras espinhosa, já que se você errar a mão a audição do álbum pode se tornar um verdadeiro martírio, e acredite, mesmo em se tratando de um trabalho de Doom Metal, essa fala não é nada elogiosa. Felizmente Nikolay sabe bem o que faz, e consegue escapar das armadilhas do estilo, entregando um material que transborda angústia e melancolia por todos os poros. Não é isso que um fã do estilo espera? Seus vocais soam macabros, e as músicas, todas acima dos 8 minutos de duração – exceto o “Outro” que encerra a obra –, soam arrastadas, lentas, pesadas, e variam muito pouco. Alguns elementos de Black são inseridos aqui e ali, quebrando um pouco da monocromaticidade do álbum. As guitarras despejam riffs pesados, baixo e bateria estão ótimos, e o teclado surge muito bem encaixado, enriquecendo ainda mais o resultado.

O álbum abre com a arrastada “Be Humane”, que prima pelo peso e pelo clima angustiante que desperta no ouvinte. “Look in the Mirror” soa épica e sombria, enquanto “Become the God” começa devagar, quase parando, e assim se mantém por um logo tempo, mas passagens mais voltadas ao Black Metal surgem para dar uma quebrada no seu ritmo letárgico. “The Only Way Out” é densa e transborda melancolia, e “Outro” é um encerramento contemplativo, que reflete tudo que foi ouvido durante mais de 40 minutos.

Nikolay leva realmente a sério a questão da One Man Band, e ele mesmo executou toda a produção do álbum. O resultado é bom, dentro do esperado, e deixa tudo bem claro e audível, mas sem exageros, o que evita aquele ar plastificado de muitas produções modernas. A belíssima capa é obra de Alexander Glukhov, da Mayhem Project Design. Denso, altamente emocional e em muitos momentos, com uma aura opressora, The Only Way Out é um álbum que prende o ouvinte e vai agradar em cheio os apreciadores de um bom Funeral Doom. Obrigatório na coleção de quem curte o estilo.




I Gather Your Grief - Dystopian Delusions (2019)

 


I Gather Your Grief - Dystopian Delusions (2019)
(Ever Cold Music - Nacional)

01. Sand Castles
02. Defendant
03. The Farewell’s Sacrament
04. Behind the Wheek (Depeche Mode cover)

Apesar do pouco tempo de estrada, já que surgiram no ano de 2016, o I Gather Your Grief é composto de músicos experientes na cena da música extrema nacional, já que em sua formação temos membros de bandas como Patria, Land of Fog, Dark Celebration, Swords at Hymns e Litosh. Obstante todos os nomes citados se enquadrarem no rótulo de Black Metal, a proposta aqui é seguir um rumo diferente, com o quinteto formado por Fernando Troian (vocal), André Lazzarotto (guitarra), Maicon Ristow (guitarra),  Wendel Siota (baixo) e Marcelo Vasco (bateria), apostando suas fixas no Death/Doom.

A base da sonoridade do I Gather Your Grief é aquele Death/Doom típico dos anos 90, e que consagrou nomes como Paradise Lost, Anathema, Katatonia e My Dying Bride, mas com uma dose de melodia que remete a bandas mais atuais como Swallow the Sun, October Tide, Saturnus ou Draconian. Cabe dizer que apesar de tais influências, não soam como uma cópia dos citados acima, já que conseguem imprimir personalidade a sua música, soando assim como I Gather Your Grief. Fernando Troian se sai muito bem nos vocais guturais, dando a intensidade que as canções pedem, e as guitarras de André Lazzarotto e Maicon Ristow executam um belo trabalho, com riffs que transbordam melancolia. A parte rítmica, com o baixista Wendel Siota e o baterista Marcelo Vasco, se mostra coesa e sólida, imprimindo variação e peso. Marcelo também faz ótimos vocais limpos em várias passagens, criando um contraste bem legal com os guturais. 

A abertura se dá com “Sand Castles”, que possui boas melodias, linhas de teclado que criam uma ambiência muito legal, guitarras pesadas e um trabalho vocal muito legal, onde o gutural e o limpo se alternam em alguns momentos. Pensando bem, nesse sentido me lembrou demais os últimos álbuns do Borknagar, o que acredite, é um tremendo elogio. “Defendant”  tem aquela pegada arrastada típica do Funeral Doom, com os teclados criando uma climatização fúnebre e as guitarras despejando peso. Indiscutivelmente, minha faixa preferida do EP. “The Farewell’s Sacrament” aproxima mais a banda do cenário atual do Melodic Doom, onde mais uma vez vocal e teclado se destacam. É uma canção um tanto cinzenta e taciturna, como todas deveriam ser. Fechando, uma versão fantástica para “Behind the Wheek”, do Depeche Mode, onde conseguiram manter a aura original, mas ainda sim carregando a mesma de personalidade. Muito disso se dá pelos vocais limpos, que mantém aquela pegada mais gótica.

A produção é muito boa, pois conseguiu deixar tudo muito claro e audível, mas sem perder aquela coisa mais suja e obscura que o Death/Doom pede. É exatamente como uma produção dos anos 90 soaria se fosse feita hoje. Perfeita para o estilo proposto. Quanto a capa, tendo um artista completo como Marcelo Vasco na banda, ela não poderia ser menos que ótima, já que consegue transmitir uma sensação lúgubre e triste. Dystopian Delusions foi sem dúvida, um dos melhores lançamentos nacionais de 2019, e deixa aquele gosto de quero mais, nos deixando ansiosos por um trabalho completo do I Gather Your Grief. Que ele não demore muito a surgir.


Quilombo – Itankale (2019)

Quilombo – Itankale (2019)
(Poluição Sonora Records – Nacional)


01. Melanina

02. Ancestralidade

03. Treze Nações

04. Descendentes de Reis

05. Semi Deusas

06. Diáspora D.C


Por mais que alguns insistam em negar o óbvio, sim, somos uma sociedade racista. A questão é que o racismo no Brasil é uma questão tão estrutural, e se encontra presente em tantos detalhes do nosso dia a dia – na linguagem diária, por exemplo –, que muitas vezes, mesmo sem se dar conta, propagamos atitudes racistas. O Brasil foi o último país do ocidente a abolir oficialmente a escravidão, mas a verdade é que ela nunca deixou de existir, já que o negro continua sofrendo com os reflexos da mesma, mesmo tendo passado 132 anos desde a promulgação da Lei Áurea. Nesse tempo, o racismo estrutural não foi apenas continuado, foi radicalizado..

Como combater isso? As formas são diversas, e invariavelmente passam não só pelo ponto de o branco abrir mão de seus privilégios – sim, ser branco no Brasil é um privilégio que muitos se recusam a aceitar –, como também abrir e ceder espaço para dar vazão as vozes negras, para permitir que ocupem espaços de privilégio branco. E o mais importante de tudo, escutar e aprender com o que eles têm a falar. Nesse ponto, “Itankale” – que em Iorubá significa propagação –, EP de estreia do Quilombo, tem muito a nos ensinar.

Para quem desconhece, o Quilombo é uma banda surgida no ano de 2018, pelas mãos do baterista e vocalista Panda Reis, e do guitarrista Allan Kallid, ambos do Oligarquia. A premissa é, através de suas letras e músicas, contar a história dos negros pelos negros, se utilizando de fontes que por muito tempo foram desconsideradas e caladas, pelo simples fato de não serem fontes brancas. O negro não podia falar sobre si. O que temos aqui é a história dos negros contada por quem possui realmente lugar de fala para tratar do assunto.

Musicalmente, “Itankale” é uma verdadeira paulada, já que apresenta um Death Metal que se mescla com Grindcore e esbanja intensidade e violência. Os vocais de Panda são brutais, mas ainda sim permite que o ouvinte compreenda as letras – que possuem muito a dizer – enquanto esbanja técnica na bateria. Allan ficou a cargo da guitarra e do baixo, e faz um trabalho excelente, principalmente no que tange aos riffs, afiadíssimos. A percussão, que surge muito bem encaixada em diversos momentos do álbum, e sem soar destoante, ficou por conta do músico convidado Binho Gerônimo. Outro a participar foi o guitarrista Guilherme Sorbello, presente em uma das músicas do EP.

“Melanina” abre o trabalho com uma introdução simplesmente de arrepiar, onde vocalizações típicas da cultura africana dão o tom. Aliás, cada uma das músicas aqui presentes, é introduzida por alguma referência a cultura negra. Quando o Death/Grind explode nos falantes, ela se torna suja, odiosa, crua e raivosa, como deve ser uma canção do estilo. Os elementos percussivos foram magistralmente encaixados nas passagens mais cadenciadas, tornando a faixa um dos grandes destaques do EP. “Ancestralidade” é a devastação em forma de música, e vai esmagar os tímpanos daqueles menos acostumados a sonoridades pesadas, sendo seguida pela bruta “Treze Nações”. Outra que se destaca pela brutalidade é “Descendentes de Reis”, um verdadeiro atropelo em forma de música. “Semi Deusas”, com seus pés bem fincados no Punk, fala em sua letra de mulheres negras, tanto do passado como da atualidade, que são importantes politica e culturalmente. Encerrando, a agressiva “Diáspora D.C”, que soa como uma betoneira descendo uma ladeira sem freio. Um atropelo sem chance de sobrevivência.

Gravado e mixado no O Beco Estúdio, o EP teve sua produção a cargo de Guilherme Sorbello, e a qualidade é boa, já que tudo está claro e audível, mas mantendo aquela sujeira necessária ao estilo. A capa foi obra de Artur Fontenelle, e une a cultura ancestral africana, com diversas personalidades negras ao nível mundial. Ficou realmente muito legal. Ríspido, brutal e intenso, “Itankale” é um desses álbuns feitos para moer as vértebras do pescoço até mesmo dos mais calejados do estilo. Mais do que música, o que temos aqui é um grito de resistência mais do que necessário nos tempos atuais. Que venha o primeiro álbum completo! Quilombo é Death Metal contra o racismo!


Quilombo é:

- Panda Reis (vocal/bateria)

- Allan Kallid (guitarra/baixo)


https://www.facebook.com/Quilombometal/

https://twitter.com/quilombodeath

https://quilombo.bandcamp.com/releases