terça-feira, 4 de setembro de 2018

Arandu Arakuaa - Mrã Waze (2018)


Arandu Arakuaa - Mrã Waze (2018)
(Independente - Nacional)


01. Sy-gûasu (grande mãe, no idioma Tupi)
02. Gûaîupîá (espírito dos pajés bons, no idioma Tupi)
03. Îasy (lua, no idioma Tupi)
04. Danhõ’re (cantar, no idioma Xavante)
05. Huku Hêmba (espirito da onça, no idioma Akwẽ Xerente)
06. Ko Kri (água fria, no idioma Krahô)
07. Jurupari (deus dos sonhos, no idioma Tupi)
08. Gûaînumby (beijar-flor, no idioma Tupi)
09. Îagûara Kûara (toca da onça, no idioma Tupi)
10. Abaré Angaíba (padre mau, no idioma Tupi)
11. Rowahtu-ze (ensinamento, no idioma Akwẽ Xerente)

Domingo, enquanto retornava de uma viagem, ia definindo em minha cabeça as resenhas dessa semana, e uma delas já estava decidida desde o início: o novo álbum do Arandu Arakuaa. Mal sabia eu que naquele mesmo momento, um dos bastiões da nossa cultura, o Museu Nacional, era consumido por completo pelo fogo. Um retrato do descaso com o qual se trata a questão da cultura nesse país, uma política de Estado que perpassa todos os governos nas últimas décadas. Vocês sabiam que boa parte dos estudos realizados no último século, a respeito das sociedades indígenas em nosso país, se encontravam em suas dependências? A coleção de etnologia indígena brasileira do MN abrangia mais de 30 mil objetos oriundos de mais de 100 grupos indígenas de nosso país. Era o reflexo de toda riqueza e diversidade de nossa cultura nativa. Incluía-se ai, um acervo linguístico, com registros documentais e sonoros, inclusive de línguas que não possuem mais falantes vivos, e as únicas múmias indígenas encontradas no país. Tudo isso se perdeu para sempre.

Cultura nunca foi algo realmente importante para esse país, e o descaso com o assunto sempre foi algo escancarado, e não apenas por parte dos nossos governantes. Sim coleguinha, porque se eles agem de tal forma, é por saberem que não sofrerão consequências de tal fato nas urnas, afinal, a população brasileira, em sua maioria, não dá a mínima para o assunto. Se formos fazer um recorte mais específico e falarmos exclusivamente de nossa cultura nativa, a coisa se torna mais grave. A ignorância de nossa população nesse sentido se torna ainda mais latente quando abordamos a questão indígena. Seja sincero prezado leitor, o que você realmente conhece a respeito da cultura de nossos Índios, que já estavam aqui muito antes de qualquer colonizador europeu colocar os pés em nossas terras. Acredito que, tirando aquelas lendas que aprendemos nas escolas, quando somos crianças, o conhecimento será praticamente nulo.


Só por tudo isso, uma banda como o Arandu Arakuaa já merecia ser muito respeitada. Sua mistura de elementos indígenas e regionais com Heavy Metal, suas músicas cantadas em Tupi, Xavante, Akwẽ Xerente e Krahô, resultam não só em uma das sonoridades mais originais que você vai escutar em matéria de música, mas também é um brado de resistência. Resistência sim, a um projeto de aniquilação que já dura mais de 500 anos, que ainda hoje extermina populações e culturas inteiras, seja através de massacres ordenados por fazendeiros e madeireiros, seja por conversões religiosas — sim, em pleno século XXI, ainda existem aqueles que enxergam os indígenas como primitivos e selvagens que precisam ser catequizados —, seja pela marginalização de sua população, que vivem de forma precária e vistos como cidadãos de segunda classe. Já notaram como os índices de mortalidade infantil, mortes por doenças infecciosas e parasitárias, e taxas de suicídio são muito maiores entre as populações indígenas? É bem provável que não. Mas quer saber, todos deveríamos notar.

Existe um conceito por trás de Mrã Waze, 3º álbum do Arandu Arakuaa, que sinceramente não consegui resumir de uma forma que não perdesse a essência. Sendo assim, vou usar as palavras do release enviado pela banda para um melhor entendimento: “O conceito do disco versa sobre a relação do homem com a natureza, o uso das medicinas de cura nas quais os pajés trabalham com as forças da natureza e os espíritos dos animais, além de toda a mística da lua e do sol. A mensagem central é “todos unidos em matéria e espírito”, assim formando uma grande unidade, onde não há separação entre o plano físico e o espiritual e, consequentemente, se atinge o equilíbrio entre o homem, os animais, a natureza, enfim, todo o cosmos.”. É em cima disso, que o quinteto liderado por Zândhio Huku (vocal, guitarra, viola caipira, instrumentos indígenas) e que conta ainda com Saulo Lucena (baixo, vocal), Lís Carvalho (vocal, pífano), Guilherme Cezario (guitarra) e João Mancha (bateria, percussão) — esses 3 últimos estreantes —, lançou um dos melhores álbuns de 2018.

Mrã Waze é certamente o trabalho mais maduro, diversificado e coeso do grupo brasiliense. As passagens mais pesadas, oriundas do Heavy Metal, se alternam com aquelas mais introspectivas e tribais, vindas das músicas indígena e regional, mas com um equilíbrio que ainda não havia sido presenciado até então. Tudo soa muito harmonioso, porque não, místico. É muito legal ver como esse lado voltado para nossas raízes, aflora cada vez mais na música do Arandu Arakuaa, e a maior presença de elementos de instrumentos indígenas e da viola caipira vão arrancar sorrisos dos fãs. Tudo aqui é de uma riqueza musical e cultural poucas vezes vista. As letras podem ser cantadas em línguas indígenas, mas isso em momento algum te impede de, em muitos momentos, estar cantando junto com a banda. Em vários momentos isso ocorreu comigo. Vale inclusive destacar a diversidade vocal aqui presente, que é simplesmente absurda.


A abertura se dá com “Sy-gûasu”, totalmente voltada para os elementos indígenas e regionais, e que soa quase como um ritual religioso voltado para dar equilíbrio ao ouvinte. Na sequência, temos a agressiva “Gûaîupîá”, que equilibra muito bem esses momentos com as passagens mais melódicas e introspectivas, além de ter ótimos vocais femininos. “Îasy” tem uma pegada mais tribal, além de um ótimo trabalho de guitarra, enquanto em “Danhõ’re” o uso da viola caipira e de elementos percussivos fala mais alto, com um resultado muito legal. “Huku Hêmba” é outra que equilibra muito bem melodias e agressividade, e “Ko Kri” traz novamente a força do lado regional da banda.  “Jurupari” esbanja peso e agressividade, mas sem abrir mão das passagens introspectivas e percussivas. Essa introspecção também é o mote de “Gûaînumby” e suas belíssimas melodias. Aqui o brilho vai para a viola de Zândhio e os vocais de Lís. “Îagûara Kûara” é bem técnica e pesada, algo que podemos observar também em  “Abaré Angaíba”. E para fechar o álbum, a ótima  “Rowahtu-ze”, com seu ótimo trabalho vocal e excelente utilização da viola e dos elementos de percussão indígenas.

Gravado no Broadband Studio, o álbum teve sua produção, mixagem e masterização realizadas por Caio Duarte (Dynahead, Miasthenia, Omfalos), com um resultado muito bom. Ficou muito bem equilibrada e com aquela clareza necessária para você escutar toda a diversidade musical aqui presente, mas sem perder a organicidade. Já a belíssima capa foi obra da artista Anjayra M, e é um retrato perfeito do conteúdo musical do CD. De sonoridade rica e diversificada, o Arandu Arakuaa se torna cada vez mais uma banda única, não só no cenário nacional, como no mundial, e merece a muito um reconhecimento muito maior do que têm. Se tem alguma dúvida a respeito disso, escute Mrã Waze e se depare com um dos melhores álbuns de Metal que você escutará esse ano.

NOTA: 91

Arandu Arakuaa é:
- Zândhio Huku (vocal, guitarra, viola caipira, instrumentos indígenas);
- Lís Carvalho (vocail, pífano);
- Guilherme Cezario (guitarra);
- Saulo Lucena (baixo, vocal);
- João Mancha (bateria, percussão).

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Um comentário:

  1. ... Massa! Auê, Arandu Arakuaa (uma das bandas mais originais e empolgantes dos últimos tempos surgida no cenário nacional e internacional... certamente...)...

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