quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Orphaned Land - Unsung Prophets & Dead Messiahs (2018)


Orphaned Land - Unsung Prophets & Dead Messiahs (2018)
(Century Media Records/Shinigami Records – Nacional)

01. The Cave
02. We Do Not Resist
03. In Propaganda
04. All Knowing Eye
05. Yedidi
06. Chains Fall to Gravity (Feat. Steve Hackett)
07. Like Orpheus (Feat. Hansi Kursch)
08. Poets of Prophetic Messianism
09. Left Behind
10. My Brother's Keeper
11. Take My Hand
12. Only the Dead Have Seen the End of War (Feat. Tomas Lindberg)
13. The Manifest – Epilogue

"Canto que ha sido valiente
Siempre será canción nueva"

– Victor Jara (1932 – 1973)

Passei praticamente 9 meses escutando Unsung Prophets & Dead Messiahs, e confesso, me faltava coragem de pegar o mesmo para resenhar. Porquê? Simples, a cada nova audição feita, sentia novas emoções, conseguia notar nuances que não havia percebido das vezes anteriores. A verdade é que o 6º álbum de estúdio dos israelenses do Orphaned Land é um trabalho complexo, e de diversas formas diferentes. Seja do ponto de vista musical, com sua já conhecida mescla de elementos diversos, seja em seu conceito lírico, trabalhando em cima de um dos textos mais clássicos da filosofia, esse é um trabalho que te coloca para pensar. De janeiro a setembro, escrevi, apaguei, reescrevi, repensei conceitos, e bem, esse é o resultado de tal jornada. O texto é longo, não é uma resenha comum, mas convenhamos, Unsung Prophets & Dead Messiahs também não é um álbum padrão.

Imaginem um grupo de homens que sempre viveram em uma caverna, acorrentados pelas pernas e pescoços, sem poder mudar de lugar ou olhar para os lados. Não conseguem sequer ver a si mesmos na escuridão da caverna. A única coisa que enxergam é a parede diante de seus olhos. A luz existente, que arde fraca, é a de um “fogo” um pouco distante, localizada em um ponto mais alto da caverna, sendo que existe um pequeno muro entre esses homens e o mesmo. Ao longo desse muro, algumas pessoas passam carregando objetos como estátuas, figuras de animais, pedras, madeiras, e mais uma infinidade de materiais, que ultrapassam a altura dele. Enquanto fazem isso, alguns conversam entre si. Dessa forma, tais homens aprisionados conseguem ver na parede da caverna, suas sombras, a de seus companheiros e as de tais objetos citados. As sombras e seus sons são a realidade existente para essas pessoas. São o seu mundo, o que conhecem, e obviamente não questionam tal realidade, até porque não possuem conhecimentos para tal.

Imaginem então, que um desses homens é libertado e obrigado a olhar para a luz? Todos aqueles objetos que até então ele apenas via através de sombras, lhe pareceriam absurdamente estranhos. Ele não os reconheceria de forma alguma, e quando confrontado com a verdade, se sentiria desconfortável. Para ele, o que entendia e enxergava antes lhe pareceria muito mais confortável do que ser confrontado com a realidade. Já ouviram aquele ditado de que a ignorância é uma benção? Certamente a dor causada pela luz e todo esse estranhamento, o fariam querer virar novamente para a parede, onde conseguia distinguir o seu mundo, onde tudo era mais confortável. Com sua recusa em olhar para a luz, simplesmente o pegam e o arrastam a força para o alto, para fora da caverna, o expondo ao sol. Irritado com isso, e com os olhos ofuscados por tamanha claridade, ele certamente não conseguiria distinguir nada em um primeiro momento. Seria incapaz de enxergar o que dizem a ele ser real. 


Então após um tempo, ele começa a se habituar a tudo a sua volta. Começa a enxergar sua sombra, os homens, os objetos, as constelações no céu noturno e o próprio sol. E mais, observando tudo em seu entorno, começa a compreender o funcionamento do mundo e de como tudo aquilo afetava a sua antiga realidade. Sente então pena de seus antigos colegas. Um dia esse homem retorna a caverna, assumindo seu antigo lugar, mas dessa vez, por ter se acostumado à luz, sua visão acaba ofuscada justamente pela escuridão, e ele em um primeiro momento não consegue discernir direito as sombras na parede da caverna. Seus companheiros então concluem que ter ido em direção a luz o cegou, e que de forma alguma vale a pena ir até a mesma. E mais, caso alguém os tentassem libertar, para os levar até lá, seriam capazes de matar que o fizesse, afinal, a luz cega.

"Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem."
- Rosa Luxembrugo (1871 - 1919)

Bem, o que você acabou de ler é uma forma resumida da Alegoria da Caverna, texto do filósofo grego Platão (427-347 a. C.), presente no Volume VII de A República. Justamente por ser uma Alegoria, está aberta a uma diversidade imensa de interpretações, e é em cima de uma delas que o Orphaned Land escolheu trabalhar o conceito de Unsung Prophets & Dead Messiahs, seu 6º álbum de estúdio. O enfoque da banda é político, partindo de um ponto básico. É muito mais fácil para os políticos, as religiões e a mídia, controlarem uma nação se está não for instruída, não possuir um conhecimento verdadeiro da realidade que a cerca. Tiram o poder de resistir das pessoas, as levando apenas a pensar em sobreviver, dispersando suas mentes e usando dos mais diversos artifícios para alcançar tal objetivo. Mantenha as pessoas em sua zona de conforto, não dê a elas conhecimento para que enxerguem a realidade, e você terá todo controle que desejar, afinal, elas não vão querer se livrar de suas correntes, pois é muito mais confortável viver nas sombras, sem o desconforto da luz do conhecimento em seus olhos.

O controle chega a um ponto, que em muitos momentos nos levam a questionar a Democracia e a Liberdade, as colocando como responsáveis pelo caos e pela corrupção. Sabe, quando em um relacionamento abusivo, a outra pessoa faz com que você sinta que não entende nada e que está sempre errado, que a culpa por tudo isso é sua, e pior, que você é louco quando questiona a noção de realidade que lhe é imposta? E mais, que por tudo isso, é ele quem sabe quais são as melhores escolhas para sua vida? É assim que a coisa funciona. As pessoas se sentem mal, inseguras, sem força para ir além da realidade imposta. Como já dito agora a pouco, acabam só pensando em sobreviver, e a dominação lhes é automaticamente imposta e aceita, travestida ou não de um viés democrático.

“Se você quiser uma imagem do futuro, imagine uma bota pisando em um rosto humano - para sempre”
- George Orwell (1903 – 1950)


O Orphaned Land nunca se furtou a lutar pelo que acredita, a resistir e a gritar contra tudo que julga injusto. A prova disso é que, em uma região onde a harmonia entre os povos parece impossível, pregam uma mensagem de união, e provam que através da arte, é possível sim existir respeito entre todos. A recepção nos países árabes é excelente, e a coisa chega ao ponto de, em festivais mundo afora, vermos bandeiras dos mesmos desfraldadas ao lado de bandeiras de Israel nos shows da banda. Também já saíram em turnê pela Europa com uma banda palestina, o Khalas, e existem até mesmo petições pedindo que sejam indicados para o Nobel da Paz, por todas as atitudes do grupo em prol do respeito e da convivência pacífica entre as pessoas. Em resumo, é um “bandão da porra” esse Orphaned Land.

Musicalmente, desde seu início a proposta foi de fazer um Metal tipicamente voltado para a sonoridade do Oriente Médio, algo que foi sendo aprimorado com o passar dos anos, e que resultou em ao menos 2 álbuns fabulosos, Mabool - The Story of the Three Sons of Seven (04) e The Never Ending Way of ORwarriOR (10) e no ótimo All Is One (13), que até pode ter menos profundidade e ser menos complexo que seus antecessores, mas que ainda sim passa longe de soar irrelevante. A questão é que em uma discografia nivelada por cima, nada menos do que a excelência, ou chegar bem próximo dela, é aceito. E querem saber? Talvez tenham alcançado a mesma como Unsung Prophets & Dead Messiahs, seu trabalho mais ambicioso em 26 anos de carreira. A forma como conseguiram mesclar Metal/Rock Progressivo, Death Metal Melódico, Classic Rock, elementos sinfônicos e folclóricos alcançou um novo patamar, dando ao álbum uma diversidade ímpar.

Nenhuma das 13 composições aqui presentes são previsíveis, graças ao dinamismo das mesmas. Soando mais épica, poderosa e profunda do que nunca, se torna impossível ao ouvinte não se emocionar durante os pouco mais de 60 minutos de duração do álbum. Imagine uma junção dos 3 trabalhos que o antecederam, do peso de Mabool e The Never Ending Way of OrwarriOR, com o lado orquestral e mais acessível de All Is One. Esse é Unsung Prophets & Dead Messiahs. Kobi Farhi voltou a utilizar com mais frequência seus vocais guturais, sem precisar abrir mão das vocalizações limpas, e em ambas consegue ótimos resultados. Se você fazia parte do grupo de viúvas da dupla Matti Svatizky e Yossi Sassi, saibam que Chen Balbus e Idan Amsalem (estreando em estúdio com a banda) alcançaram um resultado primoroso no trabalho de guitarras, principalmente no que tange aos riffs, simplesmente excelentes. Em relação à parte rítmica, Uri Zelcha (baixo) e Matan Shmuely (bateria) soam simplesmente fabulosos e irrepreensíveis. Os corais foram gravados pelo Hellscore Choir, conduzidos por Noa Gruman, vocalista do Scardust, e as partes orquestrais ficaram por conta da The Orphaned Land’s oriental orchestra. Conseguiram elevar as músicas a um nível absurdo de grandiosidade, mas sem que isso soasse exagerado ou tirasse o peso das mesmas.


De cara já temos a fantástica “The Cave”, hipnótica, complexa, com vocais cativantes, além de ótimos corais e um uso primoroso de cordas e instrumentos típicos. “We Do Not Resist” é um Death Melódico com elementos sinfônicos, bem pesado, com Kobi dando um verdadeiro show nos vocais, já que graças a ele você consegue sentir a raiva emanando da canção. Claro que os demais elementos esperados em uma música do Orphaned Land também se fazem presentes. Tem tudo para se tornar clássica. “In Propaganda” é outra faixa que vai hipnotizar os ouvintes, graças ao seu lado étnico, com ótimas melodias, ao belo trabalho das guitarras e a ótima seção de cordas. E o melhor, não arrefece no peso. Na sequência, a banda dá uma acalmada, com a belíssima e emocionante balada “All Knowing Eye”, e “Yedidi”, adaptação da canção tradicional Yedidi Hashachachta, um poema litúrgico, escrito no século XII pelo rabino Yehuda Halevi. Foge do comum por sua musicalidade diferenciada, e justamente por isso soa cativante. O que falar então da maravilhosa “Chains Fall to Gravity”, que conta com a participação do lendário guitarrista Steve Hackett (Genesis)? Tipicamente progressiva, essa canção beira a perfeição com suas lindas melodias e um solo maravilhoso. Tem um clima épico e uma musicalidade poucas vezes vista em uma canção da banda. Já é clássica.

Como não estão de brincadeira, na sequência já emendam com outro clássico, “Like Orpheus”, cativante, majestosa e com vocais primorosos de  Hansi Kursch (Blind Guardian), que dão uma carga emocional ainda maior a música. “Poets of Prophetic Messianism” soa como esses interlúdios musicais que a banda sempre faz tão bem em seus álbuns, com um ótimo uso de instrumentos típicos e belos corais, além da letra ser retirada de A República, de Platão. “Left Behind” tem ótimos riffs, com um groove de guitarra contagiante, além de um lado oriental bem aflorado. “My Brother's Keeper” é outra com melodias típicas e faz uma espécie de jogo de luz e sombras, enquanto “Take My Hand” se destaca principalmente pelas boas guitarras. Não se deixe enganar pela introdução de “Only the Dead Have Seen the End of War”, pois, ela é uma espécie de retorno as raízes Death da banda, conta com os vocais de Tomas Lindberg e é possivelmente sua canção mais pesada em muito tempo. Encerrando, a linda “The Manifest – Epilogue”, que faz jus ao título, e é um retrato perfeito de tudo que escutamos nas canções anteriores.

"Todos eles pareciam destinados, como por uma maldição, a uma existência desalentadora, mesquinha, limitada. Nenhum deles jamais havia feito alguma coisa. Eram pessoas do tipo que, em todas as atividades imagináveis, mesmo que fosse apenas a de entrar num ônibus, são automaticamente empurradas para fora do centro das coisas"
- George Orwell (1903 – 1950)

A produção ficou a cargo da própria banda, com a gravação e a mixagem realizadas pelo onisciente, onipresente e onipotente Jens Bogren. Já a masterização foi realizada por Tony Lindgren (Angra, Amorphis, Dimmu Borgir, Enslaved, Kreator, Sepultura). O resultado é simplesmente fantástico, uma das melhores produções que escutei esse ano, já que apesar de ter tanta coisa ocorrendo ao mesmo tempo nas canções, você consegue notar cada mínimo detalhe. Já a parte gráfica, belíssima, e que retrata de forma perfeita a música contida no álbum, é obra do francês Metastazis (Jean "Valnoir" Simoulin). Trabalhando um conceito que possui fortíssimas implicações políticas, traçando um paralelo entre governos, mídia, e a lavagem cerebral que transforma a nossa população em zumbis dentro de uma caverna, o Orphaned Land lança muito mais do que um simples álbum. É um grito de indignação, um brado de resistência. Dificilmente Unsung Prophets & Dead Messiahs deixará de ser o álbum de 2018!

NOTA: 96

Orphaned Land é:
- Kobi Farhi (vocal);
- Chen Balbus (guitarra/saz);
- Idan Amsalem (guitarra/bouzouki);
- Uri Zelcha (baixo);
- Matan Shmuely (bateria).

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Um comentário:

  1. Caramba! Que resenha! Que trampo! Tu dissecou o meu queridinho de 2018, para dizer o mínimo. Parabéns e sucesso!

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