domingo, 20 de setembro de 2015

O Heavy Metal no Mundo Islâmico.



“Tocamos Heavy Metal, porque nossas vidas são Heavy Metal.”
                                            Reda Zine – Café Mira (Marrocos)


Há pouco mais de um ano atrás, elaborei e publiquei uma primeira versão dessa matéria e foi justamente essa frase acima a que mais me marcou. E marcou porque ela é sem duvida alguma a definição perfeita do que é ser um fã de Metal em uma cultura que não só é fundamentalista do ponto de vista religioso, como também culturalmente falando. O Heavy Metal é visto pelos setores dominantes como uma das muitas armas de dominação cultural do Ocidente sobre o mundo muçulmano, uma forma de descaracterizar a sua cultura, influenciando jovens a adotar comportamentos típicos da juventude ocidental.

A verdade é que pouca coisa difere um fã de Metal dos Estados Unidos, Inglaterra, Suécia ou Brasil, de um que vive no Egito, Jordânia, Marrocos ou até mesmo na Arábia Saudita. Escutam as mesmas bandas, agitam nos shows da mesma forma, usam as camisas de seus grupos preferidos, ou seja, do ponto de vista musical nada muda. Mas claro, existem diferenças e são elas que me chamam demais a atenção.


A primeira delas é a relação dos headbangers islâmicos com a religião. Se no Ocidente existe uma forte rejeição aos dogmas religiosos, o fã de Metal no Islã é na grande maioria das vezes um devoto. Atitudes como a do líder da banda iraniana de Death Metal Arthimoth, de usar uma camisa com os dizeres “Seu Deus está morto” ou do discurso anti-islâmico da banda de Black iraquiana Seeds Of Iblis são raras nesse meio.

Mas a maior diferença de todas está no engajamento, na combatividade do headbanger islâmico. Nesses países o Heavy Metal assume mais do que nunca o seu real papel de contracultura, de música de resistência, batendo de frente com o status quo vigente. Mais do que nunca é uma forma de protesto, de abordar temas polêmicos e até mesmo proibidos, lutar contra a opressão e a falta de liberdade. A título de curiosidade, na Indonésia o Rock/Metal foi proibido entre 60 e 90, no Paquistão entre 77 e 88 e no Afeganistão, o mesmo esteve banido entre 94 e 01. No Irã, artistas já chegaram a ser expulsos do país.

E olha que hoje a situação abrandou um pouco, pois já não temos casos como o ocorrido em 97, quando centenas de jovens foram presos e obrigados a se declararem arrependidos por estarem presentes em um show de Metal, sobre risco de morte ou como em 2003, no Marrocos, quando 14 jovens foram presos acusados de disseminar cultos satânicos e minar a fé nos fundamentos do Islã. Por sinal, esse caso gerou uma mobilização da juventude marroquina, que obrigou o Governo daquele país a recuar. Ainda sim, fatos como shows que precisam ser cancelados devido a ações da polícia, mesmo estando com todas as licenças para ocorrer, ainda são realidade em alguns países. No Irã, caso a banda se “exceda” além do aceitável em seus shows, a mesma tem seus materiais confiscados. No Uzbequistão, são acusados de imorais e de irem contra as tradições e na Malásia, já tivemos shows de bandas Ocidentais proibidos, sob a alegação de que infringiam valores culturais e religiosos. Em 2009, na Turquia, o 1° Ministro em pessoa mandou prender 5 jovens por terem feito “chifrinhos” para pessoas na rua e ainda justificou tal fato com a seguinte fala: "Eu infelizmente vi a situação de alguns dos nossos jovens, e isso foi deprimente (...) Esta interminável erosão moral descontrolada está realmente preocupante. Nós temos que defender nossa estrutura familiar".


O Heavy Metal também é utilizado na luta contra os tabus sexistas existentes nesses países, algo que perdura há séculos. As Muhajababes, como são chamadas, são presença cada vez maior no meio, com suas camisas de bandas e seus véus cobrindo a cabeça, em uma interessante mistura cultural. Um exemplo disso foi que em 2005, surgiu no Egito à primeira banda do país totalmente composta por mulheres, Massive Scar Era, ou Mascara para os mais íntimos, que segue uma linha dedicada ao Post Hardcore. O curioso é que isso só ocorreu por imposição da família da vocalista Cherine Amr, que a autorizou formar uma banda apenas se a mesma fosse composta por outras mulheres. Hoje a formação já conta com dois homens e devido aos shows em festivais no exterior, a banda esta radicada no Canadá, mas sua importância no sentido de abrir caminho para as mulheres é inegável.


Com relação aos Festivais, eles podem não ser tão abundantes quanto na Europa e Estados Unidos, mas ocorrem. Nos Emirados Árabes, entre 2004 e 2009 ocorreu o Dubai Desert Rock, que levou a região nomes como Machine Head, Sepultura, Iron Maiden, In Flames, Mastodon, Robert Plant, Korn, dentre outros nomes representativos do estilo. Já em 2013 e 2014 ocorreu o Dubai Rock Fest, que contou com bandas como Epica, Dark Tranquillity e Yngwie Malmsteen. Já na Turquia, em 2014, tivemos o Rock Off, com participação de nomes como Megadeth, Amon Amarth, Turisas, HIM e Stratovarius. Na Indonésia, tivemos esse ano o Hammersonic, que contou com Lamb Of God, Mayhem, Terrorizer, Vader, Warbringer e Nightmare, dentre outros. Como podem observar, nada diferente do que veríamos em qualquer festival por esses lados.



Chama muito a atenção também a grande quantidade de bandas que apostam em vertentes mais extremas. O mundo islâmico parece um verdadeiro celeiro de bandas dessas vertentes e ai caímos naquela frase que abre esse texto. “Tocamos Heavy Metal, porque nossas vidas são Heavy Metal.”. A realidade que cerca a juventude islâmica é violenta e agressiva, como podemos observar diariamente nos noticiários e parece natural se enveredarem para as sonoridades mais pesadas.

 A força que o Heavy Metal, um estilo de música que é ligado à cultura do Ocidente, vêm assumindo meio a juventude islâmica, serve para mostrar que as supostas diferenças inconciliáveis existentes entre esses “dois mundos” não são assim tão inconciliáveis. Mais do que nunca, ouso dizer que isso está apenas na cabeça dos intolerantes e preconceituosos. É difícil? Certamente, mas não impossível. O Heavy Metal vence fronteiras, desafia até mesmo diferenças culturais e políticas que muitos julgam intransponíveis, unindo a juventude em prol de algo comum. O maior exemplo disso talvez esteja dentro do próprio Oriente Médio, como mostra os israelenses do Orphaned Land. Não só passam uma mensagem ecumênica, de diálogo e união entre as três grandes religiões monoteístas do mundo (Islamismo, Cristianismo e Judaísmo), como executam na prática seu discurso de união. Realizaram uma inédita turnê ao lado de uma banda palestina, o Khalas, mostrando que israelenses e judeus podem sim conviver em paz e antes disso, havia pedido cidadania turca para assim poder ter livre transito em países árabes, já que possuem muitos fãs entre a juventude desses países, mas são impedidos de entrar em diversos desses por serem israelenses. E detalhe, já conseguiram a façanha de sair na capa de uma revista de música iraniana. Sim meus amigos, judeus israelenses estampando a capa de uma revista no Irã. Existem coisas que só o Heavy Metal tem força para fazer.


Em resumo, não importa se é no Egito, na Síria, na Arábia Saudita ou no Brasil, fã de Metal é fã de Metal em qualquer lugar, em qualquer cultura, independente de qualquer crença religiosa ou política. Um viva aos Heavy Metal Mujahidin e Muhajababes e fique com um breve panorama do que podemos encontrar no mundo islâmico quando o assunto é Heavy Metal!

Acrassicauda (Iraque)



Seeds Of Ibilis (Iraque)



Atria (Irã)



Avesta (Irã)



Mötor Militia (Bahrein)



Narjahanam (Bahrein)



Vallendusk (Indonésia)



Angel of Death (Indonésia)



Humiliation (Malásia)



Ataraxique (Malásia)



Dionysus (Paquistão)



Blackhour (Paquistão)



Frostagrath (Egito)



Nathyr (Egito)



Kimaera (Líbano)



Ostura (Líbano)



Benevolent (Kuwait)



EarSplit (Kuwait)



Barzakh (Marrocos)



Dark Delirium (Marrocos)



Sabhankra (Turquia)



Heretic Soul (Turquia)



Falling Leaves (Jordânia)



Chalice Of Doom (Jordânia)



Svengali (Emirados Árabes)



Tartarus (Emirados Árabes)



Creative Waste (Arábia Saudita)



AlNamrood (Arábia Saudita)



Myrath (Tunísia)



Lost Insen (Tunísia)



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