“Tocamos Heavy Metal, porque nossas vidas são Heavy Metal.”
Reda
Zine – Café Mira (Marrocos)
Há pouco mais de um ano atrás,
elaborei e publiquei uma primeira versão dessa matéria e foi justamente essa
frase acima a que mais me marcou. E marcou porque ela é sem duvida alguma a
definição perfeita do que é ser um fã de Metal em uma cultura que não só é
fundamentalista do ponto de vista religioso, como também culturalmente falando.
O Heavy Metal é visto pelos setores dominantes como uma das muitas armas de
dominação cultural do Ocidente sobre o mundo muçulmano, uma forma de
descaracterizar a sua cultura, influenciando jovens a adotar comportamentos
típicos da juventude ocidental.
A verdade é que pouca coisa
difere um fã de Metal dos Estados Unidos, Inglaterra, Suécia ou Brasil, de um
que vive no Egito, Jordânia, Marrocos ou até mesmo na Arábia Saudita. Escutam
as mesmas bandas, agitam nos shows da mesma forma, usam as camisas de seus
grupos preferidos, ou seja, do ponto de vista musical nada muda. Mas claro,
existem diferenças e são elas que me chamam demais a atenção.
A primeira delas é a relação dos
headbangers islâmicos com a religião. Se no Ocidente existe uma forte rejeição
aos dogmas religiosos, o fã de Metal no Islã é na grande maioria das vezes um
devoto. Atitudes como a do líder da banda iraniana de Death Metal Arthimoth, de
usar uma camisa com os dizeres “Seu Deus está morto” ou do discurso
anti-islâmico da banda de Black iraquiana Seeds Of Iblis são raras nesse meio.
Mas a maior diferença de todas
está no engajamento, na combatividade do headbanger islâmico. Nesses países o
Heavy Metal assume mais do que nunca o seu real papel de contracultura, de
música de resistência, batendo de frente com o status quo vigente. Mais do que
nunca é uma forma de protesto, de abordar temas polêmicos e até mesmo
proibidos, lutar contra a opressão e a falta de liberdade. A título de
curiosidade, na Indonésia o Rock/Metal foi proibido entre 60 e 90, no Paquistão
entre 77 e 88 e no Afeganistão, o mesmo esteve banido entre 94 e 01. No Irã,
artistas já chegaram a ser expulsos do país.
E olha que hoje a situação
abrandou um pouco, pois já não temos casos como o ocorrido em 97, quando
centenas de jovens foram presos e obrigados a se declararem arrependidos por
estarem presentes em um show de Metal, sobre risco de morte ou como em 2003, no
Marrocos, quando 14 jovens foram presos acusados de disseminar cultos satânicos
e minar a fé nos fundamentos do Islã. Por sinal, esse caso gerou uma
mobilização da juventude marroquina, que obrigou o Governo daquele país a
recuar. Ainda sim, fatos como shows que precisam ser cancelados devido a ações
da polícia, mesmo estando com todas as licenças para ocorrer, ainda são
realidade em alguns países. No Irã, caso a banda se “exceda” além do aceitável
em seus shows, a mesma tem seus materiais confiscados. No Uzbequistão, são
acusados de imorais e de irem contra as tradições e na Malásia, já tivemos
shows de bandas Ocidentais proibidos, sob a alegação de que infringiam valores
culturais e religiosos. Em 2009, na Turquia, o 1° Ministro em pessoa mandou
prender 5 jovens por terem feito “chifrinhos” para pessoas na rua e ainda
justificou tal fato com a seguinte fala: "Eu infelizmente vi a situação de
alguns dos nossos jovens, e isso foi deprimente (...) Esta interminável erosão
moral descontrolada está realmente preocupante. Nós temos que defender nossa
estrutura familiar".
O Heavy Metal também é utilizado
na luta contra os tabus sexistas existentes nesses países, algo que perdura há
séculos. As Muhajababes, como são chamadas, são presença cada vez maior no meio,
com suas camisas de bandas e seus véus cobrindo a cabeça, em uma interessante
mistura cultural. Um exemplo disso foi que em 2005, surgiu no Egito à primeira
banda do país totalmente composta por mulheres, Massive Scar Era, ou Mascara
para os mais íntimos, que segue uma linha dedicada ao Post Hardcore. O curioso
é que isso só ocorreu por imposição da família da vocalista Cherine Amr, que a
autorizou formar uma banda apenas se a mesma fosse composta por outras
mulheres. Hoje a formação já conta com dois homens e devido aos shows em
festivais no exterior, a banda esta radicada no Canadá, mas sua importância no
sentido de abrir caminho para as mulheres é inegável.
Com relação aos Festivais, eles
podem não ser tão abundantes quanto na Europa e Estados Unidos, mas ocorrem.
Nos Emirados Árabes, entre 2004 e 2009 ocorreu o Dubai Desert Rock, que levou a
região nomes como Machine Head, Sepultura, Iron Maiden, In Flames, Mastodon,
Robert Plant, Korn, dentre outros nomes representativos do estilo. Já em 2013 e
2014 ocorreu o Dubai Rock Fest, que contou com bandas como Epica, Dark
Tranquillity e Yngwie Malmsteen. Já na Turquia, em 2014, tivemos o Rock Off,
com participação de nomes como Megadeth, Amon Amarth, Turisas, HIM e
Stratovarius. Na Indonésia, tivemos esse ano o Hammersonic, que contou com Lamb
Of God, Mayhem, Terrorizer, Vader, Warbringer e Nightmare, dentre outros. Como
podem observar, nada diferente do que veríamos em qualquer festival por esses
lados.
Chama muito a atenção também a
grande quantidade de bandas que apostam em vertentes mais extremas. O mundo
islâmico parece um verdadeiro celeiro de bandas dessas vertentes e ai caímos
naquela frase que abre esse texto. “Tocamos Heavy Metal, porque nossas vidas
são Heavy Metal.”. A realidade que cerca a juventude islâmica é violenta e
agressiva, como podemos observar diariamente nos noticiários e parece natural
se enveredarem para as sonoridades mais pesadas.
A força que o Heavy Metal, um estilo de música
que é ligado à cultura do Ocidente, vêm assumindo meio a juventude islâmica,
serve para mostrar que as supostas diferenças inconciliáveis existentes entre
esses “dois mundos” não são assim tão inconciliáveis. Mais do que nunca, ouso
dizer que isso está apenas na cabeça dos intolerantes e preconceituosos. É
difícil? Certamente, mas não impossível. O Heavy Metal vence fronteiras,
desafia até mesmo diferenças culturais e políticas que muitos julgam
intransponíveis, unindo a juventude em prol de algo comum. O maior exemplo
disso talvez esteja dentro do próprio Oriente Médio, como mostra os israelenses
do Orphaned Land. Não só passam uma mensagem ecumênica, de diálogo e união
entre as três grandes religiões monoteístas do mundo (Islamismo, Cristianismo e
Judaísmo), como executam na prática seu discurso de união. Realizaram uma
inédita turnê ao lado de uma banda palestina, o Khalas, mostrando que
israelenses e judeus podem sim conviver em paz e antes disso, havia pedido
cidadania turca para assim poder ter livre transito em países árabes, já que
possuem muitos fãs entre a juventude desses países, mas são impedidos de entrar
em diversos desses por serem israelenses. E detalhe, já conseguiram a façanha
de sair na capa de uma revista de música iraniana. Sim meus amigos, judeus
israelenses estampando a capa de uma revista no Irã. Existem coisas que só o
Heavy Metal tem força para fazer.
Em resumo, não importa se é no
Egito, na Síria, na Arábia Saudita ou no Brasil, fã de Metal é fã de Metal em
qualquer lugar, em qualquer cultura, independente de qualquer crença religiosa
ou política. Um viva aos Heavy Metal Mujahidin e Muhajababes e fique com um
breve panorama do que podemos encontrar no mundo islâmico quando o assunto é
Heavy Metal!
Acrassicauda (Iraque)
Seeds Of Ibilis (Iraque)
Atria (Irã)
Avesta (Irã)
Mötor Militia (Bahrein)
Narjahanam (Bahrein)
Vallendusk (Indonésia)
Angel of Death (Indonésia)
Humiliation (Malásia)
Ataraxique (Malásia)
Dionysus (Paquistão)
Blackhour (Paquistão)
Frostagrath (Egito)
Nathyr (Egito)
Kimaera (Líbano)
Ostura (Líbano)
Benevolent (Kuwait)
EarSplit (Kuwait)
Barzakh (Marrocos)
Dark Delirium (Marrocos)
Sabhankra (Turquia)
Heretic Soul (Turquia)
Falling Leaves (Jordânia)
Chalice Of Doom (Jordânia)
Svengali (Emirados Árabes)
Tartarus (Emirados Árabes)
Creative Waste (Arábia Saudita)
AlNamrood (Arábia Saudita)
Myrath (Tunísia)
Lost Insen (Tunísia)
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